
Uma proposta de reforma do Código Civil brasileiro está em análise no Senado Federal e pode promover mudanças significativas em temas que vão desde o casamento e o direito sucessório até o uso de inteligência artificial (IA) e hospedagens por meio de plataformas digitais. O texto foi elaborado por uma comissão de juristas e apresentado oficialmente em janeiro deste ano pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente da Casa Legislativa.
A proposta, que busca modernizar a legislação de 2002, a segunda versão do Código Civil brasileiro desde sua criação em 1916, inclui dispositivos sobre direito digital, reprodução assistida, união homoafetiva, herança digital e regras específicas sobre aluguel de imóveis por aplicativos, como o modelo do Airbnb.
União homoafetiva e divórcioEntre as mudanças propostas, está a inclusão, no texto legal, do reconhecimento das uniões homoafetivas. Embora desde 2011 o Supremo Tribunal Federal (STF) equipare essas uniões às heteroafetivas, o Código Civil ainda não contempla esse direito de forma expressa.
A proposta também facilita o divórcio e a dissolução da união estável, permitindo que o pedido seja feito unilateralmente por apenas uma das partes, acompanhado por advogado ou defensor público. A solicitação deverá ser registrada no mesmo cartório onde a união foi formalizada, com notificação obrigatória da outra parte antes da efetivação.
O projeto regula, pela primeira vez, a reprodução assistida no país. Estabelece que doadores de material genético devem ter mais de 18 anos e consentir formalmente com a doação. O sigilo dos dados dos doadores será obrigatório, e a seleção dos mesmos caberá ao médico responsável, levando em conta a semelhança fenotípica e imunológica com os receptores.
O texto ainda trata da cessão temporária de útero, a chamada “barriga solidária”, determinando que não poderá ter fins lucrativos e deve ser preferencialmente realizada por parentes dos pais biológicos.
Outro ponto importante da reforma é a inclusão do patrimônio digital como parte da herança. Isso engloba perfis em redes sociais, dados bancários, senhas, fotos, vídeos, conversas e ativos digitais, como criptomoedas.
A proposta altera a ordem da partilha de bens: cônjuges e companheiros não dividirão mais a herança com filhos ou pais do falecido. O acesso a mensagens privadas do falecido só será possível mediante autorização judicial e comprovação da necessidade, salvo autorização expressa em vida.
Inteligência artificial
A reforma inclui pela primeira vez diretrizes sobre o uso de inteligência artificial. O desenvolvimento de sistemas de IA deverá respeitar os direitos da personalidade e princípios como rastreabilidade, supervisão humana e governança. Além disso, os serviços que envolvam IA precisarão ser claramente identificados aos usuários.
Regras para aluguel via aplicativos
O texto ainda propõe permitir que condomínios residenciais vetem a chamada “hospedagem atípica”, como as realizadas por plataformas digitais (ex: Airbnb). O uso do imóvel para esse fim só será permitido se houver previsão na convenção condominial ou aprovação em assembleia de condôminos.
A proposta contempla ainda:
Doação de órgãos: autoriza a doação post-mortem com autorização expressa do doador, sem necessidade de consentimento da família;
Reconhecimento de animais sencientes: define os animais como seres com capacidade de sentir, sujeitos a proteção jurídica própria.
Próximos passos
A comissão de juristas responsável pela proposta atuou de agosto de 2023 a abril de 2024, sob presidência do ministro Luis Felipe Salomão, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O projeto ainda precisa de despacho da presidência do Senado para começar a tramitar nas comissões e, posteriormente, seguir para votação no plenário e na Câmara dos Deputados.
O lançamento oficial da proposta foi acompanhado por autoridades dos Três Poderes, incluindo os ministros do STF Alexandre de Moraes e Flávio Dino, além dos presidentes do Senado e da Câmara, Davi Alcolumbre e Hugo Motta, respectivamente. A expectativa é que o novo Código reflita os valores e os desafios do século XXI, modernizando uma das principais legislações do país.