Embora Maceió enfrente um déficit habitacional superior a 35 mil imóveis, conforme dados da Secretaria Municipal de Habitação, a Prefeitura anunciou que entregará à Braskem ao menos 500 das 1.180 unidades do complexo residencial da Santa Amélia, localizado na parte alta da cidade.
Em reunião com moradores dos bairros afetados pela mineração, o secretário municipal de Habitação, Lucas Callado, divulgou a decisão de entregar parte dos apartamentos da Santa Amélia à Braskem.
Um vídeo gravado por um participante da reunião, que ocorreu em dezembro de 2024, começou a circular nas redes sociais nessa quarta-feira (8), gerando surpresa e indignação entre as lideranças que representam as vítimas da Braskem em Maceió.
No vídeo, o secretário afirma que a entrega do residencial ocorrerá “provavelmente em janeiro ou fevereiro de 2025”, dependendo apenas do fornecimento de água, e que 500 das 1.180 unidades serão destinadas à Braskem.
“Isso aí já é público e notório (…), faz parte de um acordo com a Prefeitura de Maceió, que envolveu Ministério Público, Tribunal de Justiça e Defensoria”, afirmou Callado, no vídeo encaminhado à reportagem da Tribuna Independente.
Na gravação, ele também afirmou que as 680 unidades restantes seriam entregues, por meio de sorteio realizado pela Caixa Econômica Federal (CEF), às famílias de baixa renda cadastradas na Secretaria de Habitação de Maceió, embora a data do sorteio não tenha sido definida.
Ao ser questionado sobre sua permanência no cargo no segundo mandato do prefeito JHC (PL), Lucas Callado respondeu que essa decisão não estava em suas mãos. “Isso não depende de mim. Vamos aguardar”, afirmou.
O Ministério Público Federal (MPF), mencionado nas declarações do secretário, foi questionado sobre sua participação no acordo e se estaria monitorando a entrega das unidades habitacionais às vítimas da Braskem. Contudo, o MPF negou essa informação.
“Desconhecemos que quaisquer imóveis financiados com recursos públicos sejam repassados para a Braskem. Sobre a situação narrada, os esclarecimentos devem ser buscados com a própria Prefeitura”, afirmou o MPF de Alagoas, por meio da sua assessoria de comunicação.
A Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública Estadual (DP/AL), mencionadas no vídeo, afirmaram que não estiveram envolvidas nesse acordo. “A DPU não participou desse acordo, é uma decisão da prefeitura. Serão destinadas a vítimas da Braskem e não à Braskem, ou seja, às pessoas que residiam em bairros submetidos ao afundamento do solo ou adjacências”, disse Roberta Gusmão, assessora da DPU em Alagoas.
O defensor público estadual Ricardo Melro afirmou que não tinha conhecimento sobre o assunto, mas destacou que o secretário de Habitação se expressou de forma inadequada ao mencionar que os imóveis seriam entregues à Braskem. “Logicamente que [essas 500 unidades] não seriam para a Braskem. Seriam para as vítimas dela”, afirmou, em tese, o defensor.
A mineradora, em comunicado oficial, desmentiu veementemente a afirmação do secretário municipal de Habitação, alegando desconhecer qualquer acordo para a aquisição de unidades do residencial Santa Amélia. “A Braskem desconhece a informação e esclarece que não há destinação de imóveis habitacionais para a companhia nos acordos assinados com as autoridades”.
A assessoria de comunicação da Prefeitura de Maceió foi contatada para comentar o caso, mas não retornou os nossos pedidos de esclarecimento.
Diante da falta de respostas da Prefeitura, questões cruciais permanecem no ar para os moradores atingidos pela mineração: como será a distribuição dos imóveis? Haverá um sorteio? Quando ele será realizado? Quais os critérios e quem poderá participar?
O Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB) se opõe veementemente à entrega de qualquer unidade habitacional à mineradora, mesmo que sejam destinadas às vítimas do afundamento do solo em Maceió.
Segundo Cássio Araújo, coordenador-geral do MUVB, a Braskem, responsável pela tragédia ambiental, deve arcar com todos os prejuízos causados às vítimas, e não a Prefeitura ou o Governo Federal.
Assim como Cássio Araújo, Alexandre Sampaio, presidente da associação dos empreendedores, defende que a Braskem, e não o poder público, deve assumir integralmente a responsabilidade pelos prejuízos causados.
Desde abril de 2023, a Prefeitura de Maceió está construindo 1.180 unidades habitacionais na área da Santa Amélia, visando atender à demanda por moradia na região. “Um complexo de três residenciais está em fase de finalização de obras. Os conjuntos Pedro Teixeira Duarte I e II possuem 500 apartamentos cada, e o Diana Simon, tem 180 unidades”.
Conforme a reportagem intitulada “Prefeitura avança na construção de residenciais para beneficiar famílias com novos lares”, o cronograma da Secretaria de Habitação previa a entrega de 1.180 unidades habitacionais, e para garantir a conclusão das obras dentro do prazo, a Prefeitura contratou aproximadamente 870 funcionários.