A Lagoa Mundaú foi afetada após o rompimento da Mina 18 e adicionou mais um capítulo catastrófico no que já é considerado o maior crime ambiental em solo urbano, que assola a cidade de Maceió, em Alagoas, desde 2018. A pesquisadora e cientista Nidia Fabré, do Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (Peld) Costa dos Corais Alagoas (CCAL) / Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), fez uma análise da situação e chegou a conclusões preocupantes.
O grupo de estudos do Peld CCAL, que trabalha na Costa dos Corais de Alagoas, iniciou suas pesquisas justamente com comunidades de peixes da Lagoa Mundaú. O grande entendimento que o projeto tem hoje acerca do funcionamento de sistemas lagunares vem daí.
O maior impacto já aconteceu e acontece desde 2018 com todas as famílias que foram removidas de suas casas, com todas as esferas das vidas dessas pessoas afetadas. “A perda de patrimônio cultural e histórico, já que sempre foi uma área que teve uma ocupação histórica extremamente importante, também é sentida. Mas, realmente, o grande impacto foi sofrido por todas as pessoas que foram desalojadas e mal ressarcidas. Tudo isso foi devastado, e agora estamos perante a um cenário fantasmagórico de uma área extremamente importante e tradicional de Maceió que continua sendo”, informou a pesquisadora do Peld CCAL Nídia Fabré, ao Eco Nordeste.
O estrago também poderá ser catastrófico, já que este é um problema geotécnico. Nídia explica que “com a desestabilização do solo, como os especialistas vinham prevendo e estamos agora assistindo, haverá solubilização de sal e desestabilização de todo o entorno, gerando um efeito dominó, que pode atingir todas as áreas exploradas pela extração da sal-gema, podendo impactar desde a região costeira, os aquíferos e o entorno da laguna”. O desastre poderá causar perda de habitats e do equilíbrio ecossistêmico, mudança local do clima e devastação da paisagem.
Sal tempera o ecossistema
Uma grande questão envolve a salinidade da lagoa, já que na mina 18 havia basicamente cloreto de sódio, o sal de cozinha. O que acontece é que, quando a caverna subterrânea, criada pelo desmoronamento, entra em contato com a lagoa, a água e o próprio lençol freático começam a filtrar os sedimentos que saem da caverna, atingindo inclusive a camada de sal gema. Se esse sal presente na mina for incorporado pela água da lagoa, a vida dos animais que habitam ali poderia se tornar mais complicada.
Nídia pontua que, devido ao ambiente da lagoa ser um encontro entre água salgada e doce, as próprias espécies variam seu tempo vivendo ali por conta da salinidade da água, em contraposição à água doce. O manguezal serve como um refúgio para essa fauna, e depende dessa variação do sal para se manter vivo.
O mexilhão sururu, por exemplo, que é muito consumido na região, precisa de água salobra para sobreviver. Com a possível hiper salinização, a espécie poderia ser extinta do local. Casos assim afetam todo o ciclo das cadeias de transferência energética, pois é nessa dinâmica de entrada e saída de água da lagoa que os peixes contribuem como alimentos para outros organismos. Com a alteração da presença de algumas espécies, todo o ecossistema é alterado. O impacto também é social, pois os peixes da lagoa servem de sustento às comunidades locais há séculos.
Embora seja uma boa notícia que os resultados preliminares mostrem que os níveis da água ainda não foram afetados, não dá para saber com exatidão quando a salinização da lagoa atingirá o seu pico. “Mas quaisquer que sejam as novas condições de salinidade, toda a lagoa tende a ser afetada”, prevê Nídia.
Há chances de recuperação?
Para a pesquisadora, os planos de recuperação devem ser pagos pela empresa responsável e executados com muita cautela e fiscalização. “A Lagoa já é um sistema altamente antropizado, com assoreamento histórico, com contaminação, com despejo de esgoto, retirada da mata ciliar, retirada dos mangues, e por aí vai! Com o afundamento, a recuperação pode até acontecer, mas nunca será a mesma lagoa. A restauração somente seria viável com o investimento pesado em planos integrados de recuperação ambiental”.
Fonte – Cada Minuto