O Ministério Público Federal (MPF) recebeu uma denúncia de que um membro da cúpula do Ministério da Gestão e Inovação (MGI) teria orientado, de maneira deliberada, para que as bancas de heteroidentificação – método utilizado para determinar a raça social de um candidato – excluíssem os candidatos negros não retintos do sistema de cotas no Concurso Nacional Unificado. Essa orientação contrariaria a Lei de Cotas. O Ministério da Gestão e Inovação, responsável pelo concurso, negou a acusação, enquanto a banca organizadora ainda não se manifestou sobre o caso.
O Ministério Público Federal (MPF) iniciou uma investigação sobre a denúncia de manipulação no concurso público e notificou a banca organizadora, Cesgranrio, para prestar esclarecimentos em cinco dias úteis. O procurador federal Nicolao Dino, da área de Direitos do Cidadão, ficará responsável por apurar o caso.
De acordo com o Estatuto da Igualdade Racial e a Lei nº 12.990/2014, pessoas que se autodeclaram pretas ou pardas são consideradas negras e têm os mesmos direitos nas políticas afirmativas.
O Metrópoles entrevistou candidatos que já haviam sido contemplados com cotas raciais em concursos anteriores, mas foram reprovados na nova avaliação realizada pela Cesgranrio.
Irregularidades na etapa de heteroidentificação apontadas por candidatos entrevistados:
- “Não enquadrado”: aqueles que tiveram as cotas negadas apenas receberam como resposta a afirmação “não enquadrado”, tanto na decisão preliminar quanto na decisão após o recurso. Segundo a lei, todo ato público que nega um direito deve apresentar um motivo, o que não acontece nesse caso.
- Processo de avaliação: o processo teria sido rápido e impessoal. De acordo com relatos, a avaliação também foi traumática. Uma das pessoas ouvidas pelo Metrópoles afirma que o método usado se assemelhou a ser fichado em uma delegacia de polícia.
- Avaliadores: alguns candidatos relatam que houve pouca transparência em relação à capacitação dos avaliadores como pessoas capazes de julgar se alguém é ou não negro. As bancas ainda não teriam sido diversificadas, com a grande maioria dos avaliadores sendo brancos.
- Recurso: os canditados que foram “não enquadrados” e tentaram recorrer contra decisão da banca afirmam que a plataforma do CNU disponibilizou um espaço para argumentação com caracteres limitados. Além disso, não seria possível adicionar fotos e vídeos no espaço.
Quase 416 mil candidatos se autodeclararam negros para concorrer às 6.640 vagas reservadas por cotas.
Questionados pelo Metrópoles sobre a denúncia de manipulação no sistema de cotas, o MGI e a Cesgranrio negaram qualquer irregularidade e afirmaram desconhecer a notificação do MPF. A Cesgranrio, responsável pela organização das Comissões de Heteroidentificação, não se manifestou sobre o caso.