Com o início do ano legislativo, o governo federal tem pela frente um desafio estratégico: retomar o diálogo com a bancada evangélica, um dos grupos mais influentes e conservadores do Congresso. Embora historicamente esse bloco tenha mantido proximidade com o Executivo, independentemente do partido no poder, a nova configuração política tornou essa relação mais tensa.
Para o pesquisador André Ítalo, autor do livro A Bancada da Bíblia: uma história de conversões políticas, esse distanciamento reflete uma mudança de postura do grupo. “Não importa se era governo de esquerda ou de direita, era um grupo próximo ao Executivo”, explica. Segundo ele, a bancada sempre esteve alinhada a interesses como a manutenção da isenção tributária para igrejas, o que favorecia sua adesão a diferentes governos.
O cenário, no entanto, mudou. Se antes os evangélicos transitavam entre governos de diversas orientações políticas, o alinhamento ideológico com Jair Bolsonaro consolidou uma identidade mais rígida e distante do atual governo. “Bolsonaro foi o primeiro presidente de direita que teve uma relação de afinidade ideológica com a bancada evangélica”, afirma Ítalo.
Crescimento desacelerado e desafios internos
Apesar da relevância política, a bancada evangélica não cresce no mesmo ritmo de décadas anteriores. O número de parlamentares evangélicos na Câmara – entre 90 e 100 deputados – é proporcionalmente menor do que a representatividade desse grupo na população brasileira. Enquanto cerca de 30% dos brasileiros se identificam como evangélicos, na Câmara eles representam menos de 20% dos parlamentares.
O professor da Universidade de Brasília (UnB) Leonardo Barreto destaca que, além da desaceleração no crescimento, a bancada não é homogênea. “Há na bancada diversos segmentos e também estratégias diferentes. A mais consolidada é a da Igreja Universal, que se estruturou num partido político, o Republicanos, e hoje preside a Câmara”, explica.
Essa estratégia permitiu ao Republicanos atrair políticos não evangélicos, como Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados. “O partido fez essa abertura, e essa estratégia se demonstrou muito acertada”, avalia Barreto. No entanto, o professor aponta que essa expansão trouxe desafios, pois a base eleitoral evangélica se tornou mais conservadora, o que limita a flexibilidade política da bancada.
O peso da bancada evangélica na política brasileira
A presença dos evangélicos na política começou a ganhar força a partir do fim da ditadura militar. O primeiro pastor eleito deputado federal foi Levi Tavares, que exerceu mandato entre 1967 e 1971 com o apoio de sua igreja. Mas foi nas eleições de 1986, durante o processo constituinte, que a bancada se consolidou como um grupo organizado.
Na época, as igrejas evangélicas temiam que a Igreja Católica exercesse forte influência na elaboração da nova Constituição. “Foi quando as igrejas evangélicas perceberam que precisavam participar da política porque havia um medo de que o catolicismo se envolveria de maneira muito forte na Constituinte e acabasse voltando a ser a religião oficial do país”, contextualiza Ítalo.
O grupo cresceu e elegeu 32 deputados naquele período. Com o tempo, seu papel se ampliou, e a bancada passou a se alinhar com pautas conservadoras, tornando-se um dos principais grupos de influência no Congresso.
Bancada da Bíblia x Frente Parlamentar Evangélica
Embora muitas vezes confundidos, a bancada evangélica e a Frente Parlamentar Evangélica têm composições distintas. A Frente, um grupo institucionalizado, conta com 219 deputados e 26 senadores, sendo que muitos de seus integrantes não são evangélicos.
Para ser criada, a Frente exige o apoio de 171 assinaturas no Congresso, o que faz com que os deputados evangélicos precisem do apoio de parlamentares não religiosos.
Esse grupo atua de forma organizada. Todas as segundas-feiras, assessores parlamentares fazem um levantamento das pautas que podem impactar a bancada. Na terça-feira, deputados evangélicos se reúnem para definir estratégias. O atual coordenador da frente é o deputado Silas Câmara (Republicanos-AM).
Governo busca caminhos para diálogo
Para o governo Lula, reconstruir pontes com os evangélicos é um dos principais desafios políticos de 2025. Com uma base eleitoral consolidada e cada vez mais distante do Planalto, a bancada tende a continuar exercendo pressão sobre pautas morais e econômicas, dificultando a governabilidade.
A reportagem tentou contato com a assessoria do deputado Silas Câmara, líder da frente evangélica, para comentar o trabalho do grupo, mas não obteve retorno.