A instalação de placas com os dizeres “Acesso restrito. Propriedade particular” ao longo da restinga da Praia do Francês, no litoral sul de Alagoas, trouxe preocupação para moradores, ambientalistas e frequentadores do local. A medida, realizada na madrugada do dia 6 de dezembro, simboliza não apenas uma restrição ao uso público da área, mas também uma ameaça à preservação ambiental e ao direito coletivo de usufruir do espaço natural.
“A privatização e a chegada de empreendimentos me preocupa muito, pois pode trazer problemas sérios para a nossa praia”, alerta o estudante de jornalismo Júlio César, 19 anos, morador do município de Marechal Deodoro, Região Metropolitana de Maceió.
A reação foi imediata: no dia 7 de dezembro, a comunidade organizou o ato “Abraço à Restinga”, uma manifestação simbólica em defesa do ecossistema local. Júlio, assim como outros moradores, destacou a importância da preservação ambiental. “Se isso for comprometido, quem vai sofrer somos nós e as espécies que dependem daquele ecossistema”, ressalta.
A PEC das Praias e o risco de privatização
A instalação das placas ocorre enquanto a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal debate a PEC das Praias, que prevê a venda de terrenos de marinha a ocupantes privados e empresas. A proposta deveria ter sido votada no último dia 4 de dezembro, mas um pedido de vista adiou a decisão.
Para o arquiteto e urbanista Dilson Ferreira, a privatização do litoral representa um processo de exclusão que afeta diretamente o acesso público e os ecossistemas costeiros. “Não apenas expulsa comunidades locais e destrói modos de vida sustentáveis, mas também intensifica a gentrificação, transformando espaços populares em áreas exclusivas e inacessíveis para a maioria”, argumenta.
Segundo Ferreira, os impactos ambientais são graves e acelerados. “A degradação ambiental é acelerada com a destruição de ecossistemas como as restingas, fundamentais para proteger a biodiversidade e a costa. Espécies de pássaros, pequenos mamíferos e outros animais que dependem dessas áreas são colocadas em risco, comprometendo o equilíbrio ambiental”, explica.
Manifesto e mobilização online
Além dos atos presenciais, um abaixo-assinado na plataforma Change.org reúne mais de 9 mil assinaturas. O documento, divulgado pela iniciativa “Reserva Nacional de Surf – Praia do Francês”, alerta para os danos ambientais que podem ser causados pelo Programa Integrado de Gestão Territorial, conduzido pela Prefeitura de Marechal Deodoro.
“O coqueiral estabiliza o solo costeiro, garantindo a consistência das ondas; já a restinga protege as dunas e a faixa costeira, essencial para evitar a erosão”, detalha o manifesto, que também reforça a necessidade de manter a área como Zona de Preservação Ambiental (ZPA) no Plano Diretor do município.
Uma audiência pública para discutir o projeto, que deveria ocorrer no dia 16, foi adiada sem nova data divulgada. A falta de diálogo gera preocupação entre os envolvidos.
Problemas recorrentes no litoral de Alagoas
Dilson Ferreira também destaca que a privatização de praias já é uma realidade em Alagoas. “Basta analisar as licenças expedidas em muitos municípios para perceber a flexibilização das normas em benefício de projetos que degradam o meio ambiente”, denuncia.
Ele cita exemplos preocupantes: “Em Ipioca, um condomínio bloqueou a entrada na Praia de Sauaçuhy, exigindo intervenção do MPF. Em Japaratinga, grades foram instaladas na Praia do Salgado por um resort, e em Guaxuma, um empreendimento imobiliário tentou impedir o acesso até ser desobstruído pela Prefeitura de Maceió”.
Para Ferreira, a PEC das Praias pode agravar esse cenário ao promover uma “privatização massiva do meio ambiente”. “Essa PEC pode resultar na expulsão em massa de comunidades locais, promovendo uma gentrificação sem precedentes e destruindo ecossistemas fundamentais para a biodiversidade e o equilíbrio ambiental”, analisa.
Desenvolvimento sustentável como alternativa
Dilson reforça que a falta de transparência e a ausência de vontade política agravam o problema. “Os mesmos políticos que poderiam usar a preservação ambiental e cultural como pilares para gerar renda, optam por um modelo de curto prazo, onde a destruição da natureza deixa um legado de prejuízos sociais e econômicos”, lamenta.
Ele conclui defendendo um modelo de desenvolvimento que valorize o ecoturismo e as tradições locais. “A preservação não é um obstáculo, mas uma oportunidade de construir um futuro mais justo e equilibrado para todos”.