Uma decisão que condenou três pessoas por desvios de recursos públicos em obras de pavimentação de Malta (PB) detalha como funcionava o esquema operado pela empresa Sóconstroi.
A empresa foi o principal alvo da operação Desumanidade, de 2015, que mirou contratos bancados com emendas do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta.
Como mostrou a coluna, durante a investigação, um administrador da empresa citou uma “comissão” de Hugo Motta (Republicanos-PB) pelo repasse de emenda para custear as obras.
Foram condenados no processo o ex-prefeito de Malta, Manoel Benedito de Lucena Filho, conhecido como “Nael”, seu filho e um empresário do ramo de construção por apropriação indevida de recursos federais destinados ao projeto de infraestrutura.
A condenação é um desdobramento da operação Desumanidade, que investigou obras públicas em Patos (PB), reduto eleitoral de Hugo Motta e sua família. No curso da apuração, foi revelado que o esquema tinha ramificações em outras cidades, inclusive Malta, que foi alvo da terceira fase da Desumanidade.
Na decisão, o juiz Thiago Batista de Ataíde, da Justiça Federal da Paraíba, cita como o Ministério Público Federal (MPF) detalhou o esquema, inicialmente identificado em Patos. Segundo o órgão, havia pelo menos três etapas, que envolviam tanto pessoas ligadas à empresa quanto a administração pública
O primeiro passo, segundo o MPF, seria a utilização da Sóconstroi pela Prefeitura de Patos para vencer as licitações. Os certames seriam previamente direcionados, “pois o edital era elaborado de acordo com o acervo técnico da empresa”.
Depois de vencer as licitações, a Sóconstroi funcionava apenas como fachada para supostamente encobrir as ilegalidades na execução das obras, as quais ficavam a cargo do grupo.
Por fim, os sócios e procuradores da construtora recebiam percentuais de cada parcela da obra e o restante era encaminhado para quem iria executá-la. Na época, a empresa era administrada por Cláudio Roberto Medeiros, José Aloysio da Costa Machado Júnior e seu pai, José Aloysio da Costa Machado Neto.
Segundo a Procuradoria, engenheiros fiscais que trabalhavam nas obras também tinham papel central no esquema, atuando supostamente na elaboração de projetos superfaturados e na confecção de boletins de medição falsos. Os boletins servem para atestar o progresso das obras.
“No outro lado da parceria ilícita, havia os engenheiros supostamente contratados pela empresa, que se passavam por responsáveis técnicos das empresas (garantindo-lhes acervo técnico), assinando ARTs e boletins de medição fraudulentos, recebendo parte dos percentuais devidos à empresa”, afirma a decisão.
“Modus Operandi”
A suposta estrutura do esquema narrada pelo MPF foi constatada durante as investigações da operação Desumanidade, que teve início em Patos. Contudo, segundo a decisão, no caso de Malta, foi utilizado um “modus operandi semelhante ao que foi explicado em relação às primeiras fases”.
Foram investigadas três licitações diferentes na cidade, mas a que deu origem ao processo que condenou o ex-prefeito diz respeito a obras de pavimentação em diversas ruas do município.
Segundo José Aloysio Machado da Costa Neto, teria sido acordado que os empresários receberiam uma contrapartida de aproximadamente 10% em cima de cada uma das medições liberadas para pagamento dos órgãos concedentes, em remuneração pelo empréstimo ilícito da estrutura empresarial para o esquema de desvio de recursos.
Como mostrou a coluna, Neto também afirmou durante a investigação que, antes da licitação, foi chamado pelo Deputado Estadual Nabor Wanderley e apresentado ao então prefeito de Malta, “que lhe informaram que este executaria a obra e haveria uma comissão ao Deputado Federal Hugo Motta, de 10% (dez por cento), por ser o autor da emenda parlamentar”.
Como mostrou a coluna, emendas de Motta haviam aparecido em ao menos outras duas contratações públicas sob suspeita de desvios.
Em 2015, a operação Desumanidade investigou desvios na construção de 11 Unidades Básicas de Saúde (UBS), parte dos valores era proveniente de emendas de Motta. Em 2024, a operação Outline mirou a obra de restauração da Alça Sudeste e da Avenida Manoel Mota, em Patos (PB), no valor de R$ 5 milhões. O valores também eram provenientes de emendas do deputado.
Defesa
Consta na decisão que Manoel apresentou sua defesa dizendo que jamais praticou qualquer ato criminoso e afirmou que o processo licitatório ocorreu adequadamente. A coluna entrou em contato com a defesa do ex-prefeito, mas não obteve retorno.
Procurado pela coluna, o deputado Hugo Motta não respondeu.
Fonte: Metrópoles