Um acordo justo é aquele em que todos saem ganhando. Porém, certamente, isso não se aplica aos acordos firmados pela Braskem, com o aval dos órgãos públicos, para a indenização das vítimas e o ressarcimento dos prejuízos causados à cidade de Maceió. Não por acaso, o relatório final da CPI da Braskem recomenda a revisão dos acordos de compensação financeira, socioambiental e de reparação de danos firmado com a prefeitura de Maceió, na gestão do prefeito JHC (PL).
Contudo, nem a prefeitura, nem os Ministérios Públicos Federal e Estadual, nem a Defensoria Pública da União demonstraram, até o momento, após a divulgação do relatório final da CPI, interesse em revisar os acordos. Muito menos a Braskem, principal favorecida com os acordos firmados, alguns deles realizados na “bacia das almas”, ou seja, durante momentos de desespero das famílias obrigadas a desocupar suas residências e estabelecimentos comerciais, aceitando ou não os valores oferecidos pela mineradora, entre 2020 e 2021.
“Segundo informações da Agência Senado, o relatório da CPI da Braskem ainda será votado pelos integrantes da comissão, que estão com vista coletiva. Desse modo, o MPF em Alagoas não tem qualquer posicionamento sobre o documento, uma vez que ele ainda não foi encaminhado”, afirmou o MPF/AL, por meio da sua assessoria de comunicação, em nota encaminhada à reportagem da Tribuna Independente, na sexta-feira (17).
Enquanto isso, a Defensoria Pública da União em Alagoas (DPU/AL) disse que ainda não recebeu “formalmente esse relatório”. Por isso, no momento, não iria se posicionar. O Ministério Público Estadual (MP/AL) também disse, por meio da sua assessoria, que só irá se manifestar quando receber o relatório aprovado. Até porque o MP/AL foi citado no relatório final, a exemplo da Prefeitura de Maceió, cujo acordo firmado com a Braskem mereceu um capítulo à parte no documento final da Comissão do Senado.
No relatório, os senadores criticam e pedem a revisão do acordo celebrado pelo prefeito JHC com a mineradora, que rendeu à sua gestão R$ 1,7 bilhão à título de quitação pelos danos causados à cidade. Para a CPI, os prejuízos causados ao município de Maceió, que perdeu parte quase a totalidade de cinco bairros, foram maiores que a soma da indenização negociada pelo prefeito, que é pré-candidato à reeleição.
Firmado no dia 21 de julho de 2023, o acordo entre a Prefeitura e Braskem, teve participação direta do MPF/AL e do Ministério Público de Alagoas, mesmo assim foi considerado lesivo pela Comissão. Questionada sobre o relatório da CPI, que defende a revisão do acordo, a prefeitura de Maceió não se manifestou.
Posição da Braskem
A empresa também foi procurada para se manifestar sobre o relatório que a condena e se posicionou por meio de nota, encaminhada por sua assessoria de comunicação: “A Braskem reitera que esteve à disposição da Comissão Parlamentar de Inquérito, colaborando prontamente com todas as informações e providências solicitadas. A companhia continua à disposição das autoridades, como sempre esteve”.
Segundo senadores da CPI, a insatisfação gerou demandas judiciais
Os senadores dedicaram mais de cem páginas do relatório à contestação dos acordos, por parte das vítimas da tragédia. Segundo a CPI, a insatisfação gerou várias demandas judiciais. “Desde a divulgação dos resultados do estudo do Serviço Geológico Brasileiro (SGB/CPRM), que atestaram o nexo de causalidade entre a exploração de sal-gema e o afundamento do solo em Maceió, em maio de 2019, a Braskem foi ré em diversas ações judiciais movidas por moradores e por órgãos da Administração Pública”.
Eles acrescentaram que “parte dessas ações foram transformadas em termos de cooperação e acordos extrajudiciais para reparação de danos individuais e coletivos, firmados com o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público de Alagoas (MP/AL), a Defensoria Pública da União (DPU), a Defensoria Pública de Alagoas (DP/AL) e a Prefeitura Municipal de Maceió”.
No entanto, durante a CPI, os senadores receberam várias denúncias e depoimentos dizendo que, embora patrocinados por órgãos público, os acordos foram lesivos aos moradores desalojados e à cidade de Maceió. “Os acordos teriam sido caracterizados por falta de transparência e por falta de participação efetiva das vítimas nas negociações”, escreveram os senadores no relatório.
Segundo eles, “há denúncias de que os acordos coletivos desrespeitaram o princípio da reparação integral do dano, deram origem a indenizações uniformes, confundiram compra e venda de imóveis com compensação financeira, e abriram espaço para assimetrias que contaminaram os acordos individuais firmados entre as vítimas e a Braskem”.
Além disso, “não foram poucos os atingidos que alegaram que as negociações particulares, embora homologadas pela Justiça, foram viciadas pelo estado de necessidade, pela falta de informações, pela demora excessiva das transações, pela subavaliação de imóveis, pelo abatimento indevido de valores, e por cláusulas abusivas de confidencialidade, de quitação irretratável de obrigações e de exoneração de responsabilidade”.
Outros Acordos
Além dos acordos mencionados anteriormente, foram registrados dois importantes acordos firmados após 2019: um com o Ministério Público do Trabalho, visando proteger as relações de trabalho e os trabalhadores afetados pela subsidência do solo em Maceió; e outro no contexto da ACP Sonar, para o fechamento dos poços e o monitoramento das instabilidades do solo.
“O estado de calamidade oriundo da verificação do fenômeno da subsidência nos bairros do Mutange, Bebedouro e Pinheiro deu ensejo ao ajuizamento, pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), da ação civil pública nº 0000648-42.2019.5.19.0007”, registram os senadores no relatório, para mais à frente criticar o que foi acordado pelo MPT.
Vítimas elogiam CPI
Alexandre Sampaio, empresário e presidente da Associação dos Empreendedores Vítimas da Mineração em Maceió, elogiou o trabalho da CPI, mas criticou a falta de ações mais rigorosas por parte dos senadores contra os agentes públicos. Segundo ele, esses agentes celebraram acordos prejudiciais e foram coniventes com o crime ambiental, ao conceder licenças e não fiscalizar adequadamente a mineradora, que realizou uma “lavra ambiciosa”, retirando mais sal-gema do subsolo do que o permitido.
“Cadê que indiciaram o prefeito JHC, que fez um acordo lesivo à cidade. Recebeu uma indenização de R$ 1,7 bilhão, quando os prejuízos causados a Maceió passam dos R$ 2,5 bilhões?”, questionou Sampaio. Segundo ele, nos bastidores, “deve ter ocorrido um acordão entre os partidos para aliviar a barras de alguns agentes públicos”. Mesmo assim, para ele, a CPI acertou quando exigiu a revisão dos acordos que tiveram o aval dos órgãos públicos.
Neirevane Nunes, bióloga do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), também elogiou a CPI. Para ela, a comissão desempenhou um papel crucial na investigação dos fatos e na responsabilização dos envolvidos nesse crime. Segundo Neirevane, em um curto espaço de tempo, a CPI realizou um trabalho inédito que esperavam que fosse feito há seis anos pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual, pela Defensoria Pública da União e pela Polícia Federal.
Ela disse que “a Força Tarefa nunca deveria ter firmado um acordo com a Braskem, extinguindo uma ação civil pública tão importante e além de findar a ação não se empenhou em apoiar a ação criminal contra a mineradora”.
“No termo que nós assinamos de desocupação e entrega de chaves, está lá escrito nas considerações (página 2, b): sem assunção de responsabilidade, em 30 de dezembro de 2019”, destacou a bióloga. Mesmo assim, beneficiando a Braskem, o acordo foi celebrado com o aval dos órgãos públicos, com base no laudo da Defesa Civil de Maceió, para a desocupação das áreas de risco.
“Como que o poder púbico pode admitir que após 6 anos a Braskem não fosse enquadrada como infratora que é, mas como ‘benemérita colaboradora e apoiadora’?”, questionou. Para a integrante do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), o relatório tem muitos pontos positivos, mas também alguns aspectos que precisamos reforçar. “As tipificações de crimes e os indiciamentos são pontos positivos. Hoje, podemos chamar a Braskem de criminosa sem receio de sermos processados. Além disso, a inclusão da nova cartografia dos mapas de risco, que agora abrangem os Flexais e todas as outras áreas (Quebradas, Marqueis de Abrantes e Bom Parto), foi uma grande vitória para as vítimas. A correlação de forças hoje mudou um pouco a nosso favor”, finalizou.