Movimentos em defesa das vítimas da mineração em Alagoas se mobilizam para contestar negócio na Justiça
Ambientalistas, ecologistas e militantes de movimentos em defesa das vítimas da mineração e de combate à mineração predatória em Alagoas estão se mobilizando para contestar, na Justiça, a venda do sistema Catolé Cardoso à Braskem. Eles alegam que a venda do manancial é ilegal porque foi feita sem autorização dos órgãos ambientais, já que fica localizado em uma Área de Proteção Ambiental (APA).
A Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal) confirmou a transação e disse que vai usar o dinheiro recebido, R$ 108,9 milhões, para construir outro sistema de abastecimento d’água, em Maceió. Mas não deu detalhes do local e da capacidade de fornecimento do novo sistema, que deverá “substituir” o Catolé Cardoso, que abastece cerca de 70% da população da parte baixa da cidade.
Questionado sobre se a venda do manancial poderia ser contestada na Justiça, o ambientalista Alder Flores disse que sim, “principalmente por estar dentro de uma APA”. No caso, a APA do Catolé, localizada no bairro do Bebedouro, em Maceió.
Para Flores, o contato pode ser considerado lesivo à população, se o abastecimento de água for comprometido. “A responsabilidade era da Casal e agora passa a ser da Braskem. É preciso avaliar se o sistema no todo tem licença de operação”, ponderou Flores. Segundo ele, a outorga de captação de água é uma atividade inserida no rol daquelas que necessitam da licença ambiental.
Portanto, no seu entendimento, caberia um parecer do Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) ou uma decisão do Conselho Estadual do Meio Ambiente para assegurar a legitimidade da transação.
Na opinião do procurador do Trabalho Cássio Araújo, coordenador do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), “o acordo é ilegal, imoral e só engorda as contas da mineradora”. Ele disse ainda que a população não pode ser prejudicada com venda do manancial, por se tratar de um bem público. Por isso, o MUVB está disposto a entrar da Justiça para desfazer o contrato entre a Braskem e a Casal.
POSICIONAMENTOS
A reportagem da Tribuna Independente tentou ouvir o IMA, por meio da assessoria de comunicação do Instituto, mas não houve retorno, até o fechamento da matéria.
A Procuradora Geral do Estado (PGE) disse que o processo de compra e venda do sistema Catolé Cardoso não passou pelo crivo do órgão, porque a Casal é uma autarquia.
O Ministério Público Federa (MPF) também não quis comentar a negociação. “Os grandes equipamentos urbanos ficaram de fora do acordo coletivo de indenização. A negociação se deu entre as partes sem participação do MPF”, afirmou a assessoria de comunicação da Procuradoria da República em Alagoas (PGR/AL).
O sistema Catolé Cardoso foi inaugurado em 1952 e durante décadas funcionou como o principal sistema de abastecimento de água potável de Maceió. Atualmente, atende a mais de 250 mil pessoas, é um dos três sistemas de abastecimento da capital alagoana e o segundo em captação superficial: 320 litros por segundo. Os outros dois são o Aviação (197 litros por segundo) e Pratagy (890 litros por segundo).
A venda do manancial para a Braskem foi revelada esta semana pela mídia local. Um documento inédito e até então em segredo absoluto foi revelado pelo semanário Extra, dando os detalhes do acordo milionário entre a Casal e a Braskem.
A negociação legitimou a indenização que a mineradora devia à Companhia de Abastecimento pelos danos causados e a integral quitação do sistema Catolé-Cardoso, ainda em operação, no bairro do Bebedouro. Com a transação consumada, a parte sob responsabilidade da Casal será descomissionada. A administração do sistema passa a ser reponsabilidade da Braskem.
A decisão acontece após o sistema ser atingido pelo afundamento do solo que afetou mais de cinco bairros inteiros na capital alagoana. A tragédia veio à tona no início de 2018, quando as causas da subsidência do solo foram atribuídas à mineração de sal-gema, extraída do sobsolo da região por décadas pela Braskem.
Além de captar a água, o Catolé tem estação de tratamento. Está localizado na área de proteção ambiental do Catolé e Fernão Velho, ocupando 2.168,22 hectares e se espalhando por partes de Maceió, Satuba, Santa Luzia do Norte e Coqueiro Seco. O reservatório é abastecido pelas águas do Riacho Catolé.
A Casal e a Braskem acordaram que o valor da indenização pelo crime ambiental que afetou o sistema foi de R$ 108.904.627,03 pago em três parcelas, já quitadas. O acordo foi fechado no final do ano passado e tornou a Braskem dona do sistema.
Companhia também deverá ser leiloada até 2027; litígio cessou com mineradora
A Casal é uma autarquia, ligada ao governo do Estado, mas está para ser privatizada, a exemplo da Ceal. Segundo informações de dentro da empresa, a Casal deverá ser leiloada até 2027. Em fevereiro, a diretoria de Companhia anunciou a rescisão do contrato com o escritório Carneiros Advogados Associados, que atuava em defesa dos interesses da autarquia nas ações da Justiça contra a Braskem.
De acordo com a reportagem do Extra, foi este escritório que estruturou o acordo com a petroquímica. Como honorários advocatícios, recebeu R$ 900 mil de pró-labore e 10% do valor do acordo: R$ 10,8 milhões. Os dois advogados da Casal também receberam bonificação, de R$ 1,08 milhão.
REPERCUSSÃO
Nas mídias sociais, foi grande a repercussão da notícia da negociação envolvendo a venda do sistema Catolé Cardoso. “É o reflexo de um estado oligarca, patriarcal com resquícios escravistas. Sinto muito que a passos largos Alagoas entregue seus bens naturais ao Capital. No interior já temos outro exemplo de degradação humana e ambiental. O município de Craíbas já se encontra entre os riscos ambientais através das perfurações do solo, dos buracos extraordinários e gigantes”, comenta um internauta, referindo-se também à mineração predatória praticada pela Mineradora Vale Verde (MVV), no município de Craíbas.
Para o funcionário público Maurício Sarmento, integrante do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), o acordo celebrado entre a Casal e a Braskem levanta sérias preocupações.
“Veja o que cada parte assumiu: a Casal assume todo o risco técnico, jurídico e financeiro da nova solução de abastecimento; fica responsável por todas as obras, licenças, operação e manutenção do novo sistema; abre mão de cobrar qualquer valor adicional da Braskem, mesmo se surgirem novos problemas; concorda em defender a mineradora em eventuais processos ligados aos bens e serviços acordados; e reconhece que os danos pagos são os únicos relacionados ao crime geológico.
Já a Braskem assume que paga à vista com base nos laudos fornecidos pela própria Casal; ganha quitação total e irrevogável, inclusive de eventuais danos futuros; e se livra de qualquer responsabilidade técnica, ambiental ou social pelo novo sistema ou pelo antigo”.
Por isso, para Sarmento, “mais uma vez, quem causou o desastre sai impune, e quem deveria defender o interesse público assume todos os riscos. Seguiremos atentos e denunciando”.
Casal afirma que vai construir sistema substituto
À Tribuna Independente, a Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal) disse apenas que o dinheiro da venda do Sistema Catolé Cardoso [R$ 108,9 milhões] será usado na implantação de outro sistema de abastecimento de água, em substituição ao manancial vendido à Braskem.
NOTA DA CASAL
“A Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal) informa que os recursos obtidos por meio da indenização resultante do acordo extrajudicial firmado com a Braskem serão utilizados na implantação de um novo sistema de abastecimento de água, que substituirá o atual Sistema Cardoso, em Maceió.
A Companhia está em tratativas com o Governo do Estado de Alagoas para definir a melhor alternativa técnica e operacional para a implantação dos novos ativos, com o objetivo de garantir mais segurança, eficiência e regularidade no abastecimento à população”.
OUTRO LADO
A Braskem foi procurada para comentar a compra do sistema Catolé Cardoso, mas não quis se pronunciar. Sobre a licença de funcionamento da fábrica, sua assessoria disse que a empresa precisa renovar a licença de operação da unidade de cloro e soda no Pontal da Barra até o dia 12 de maio de 2026.
Em um artigo encaminhado à mídia, a bióloga Neirevane Nunes, militante do Movimento de Combate à Mineração Predatória no Brasil (MAM), disse que “não satisfeita em devastar cinco bairros de Maceió, provocar o deslocamento forçado de mais de 60 mil vítimas e tomar a posse de imóveis e espaços públicos, agora a Braskem avança sobre um bem ainda mais essencial: a nossa água”.
Com o título “O crime que virou negócio: Braskem, BRK e o saque à cidade de Maceió”, o artigo da Neirevane Nunes (Doutoranda do SOTEPP/UNIMA) denuncia a negociata e coloca o escândalo na ordem do dia. Para ela, a venda do manancial é uma vergonha e deve ser denunciado, pois foi fechado sem o aval dos órgãos ambientais.
Fonte: Tribuna Hoje