Em dezembro, os contracheques de ministros e magistrados do Tribunal Superior do Trabalho (TST) atingiram valores astronômicos, superando em muito o teto do funcionalismo público. O pagamento de retroativos e outros benefícios levou os rendimentos de alguns integrantes da Corte a ultrapassarem R$ 700 mil brutos. Entre os destaques está o vice-presidente do TST, Maurício José Godinho Delgado, cujo holerite alcançou R$ 641 mil.
Após os descontos previstos, como abate-teto, Imposto de Renda e previdência, Delgado recebeu R$ 394,5 mil líquidos, o equivalente a quase nove meses de salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Outros magistrados da Corte também tiveram vencimentos elevados. Sérgio Pinto Martins, por exemplo, teve o maior valor líquido depositado: R$ 419 mil.
A “dezembrada” e o peso dos penduricalhos
Conhecida como “dezembrada”, a prática de pagamentos elevados no último mês do ano é recorrente no Judiciário e inclui retroativos, licenças indenizadas, abonos e gratificações. No caso do TST, os retroativos somaram até R$ 366 mil, enquanto outros benefícios, como a indenização de licença compensatória e o adicional de férias, chegaram a R$ 47 mil.
Entre os ministros do TST, 24 dos 27 receberam adicional por tempo de serviço (ATS), aprovado recentemente na Justiça do Trabalho. Apenas o presidente da Corte, Aloysio Silva Correa da Veiga, teve um valor mais modesto de ATS, com R$ 7,4 mil. Além disso, os magistrados também receberam até R$ 14,4 mil de abono permanência, destinado a quem já poderia se aposentar, mas optou por continuar na ativa.
No entanto, os pagamentos do TST não foram os mais altos registrados na Justiça do Trabalho em dezembro. A desembargadora Silza Helena Bermudes Bauman, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), recebeu R$ 678,3 mil líquidos, o maior valor pago a um magistrado no período.
Impacto no orçamento público e críticas à prática
Especialistas em contas públicas apontam que o acúmulo de benefícios e o uso de sobras orçamentárias para inflar contracheques no fim do ano refletem falhas de planejamento e falta de controle. Para Juliana Sakai, diretora executiva da Transparência Brasil, a prática é um sintoma de problemas estruturais:
“É muito comum na gestão pública ter a ‘dezembrada’. O orçamento não foi executado o ano inteiro por mau planejamento muitas vezes, aí chega no final do ano e os magistrados têm a oportunidade de executá-lo”, explicou.
Bruno Carazza, professor de Economia da Fundação Dom Cabral, também criticou o impacto da prática no equilíbrio fiscal:
“Todo o esforço que o governo tem para colocar as contas públicas em dia não atinge os órgãos do Judiciário e do Legislativo. Como há liberalidade de lidar com seus orçamentos, toda sobra acumulada ao longo do ano é torrada com benesses salariais para zerar os recursos do orçamento anual.”
Conselho Nacional de Justiça e impasses sobre controle
Casos como o dos pagamentos milionários no Tribunal de Justiça de Rondônia, onde magistrados receberam mais de R$ 1 milhão líquidos em fevereiro do ano passado, chegaram ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No entanto, o órgão arquivou o caso, limitando-se a advertir o tribunal. Com o aval do CNJ, novas rodadas de pagamentos generosos ocorreram em Rondônia e em outras cortes.
A falta de uma regulamentação mais rígida sobre benefícios e a ausência de limites efetivos para o uso de sobras orçamentárias no Judiciário e no Legislativo continuam alimentando críticas e cobranças por maior transparência e equilíbrio nas contas públicas.
Enquanto isso, a prática de pagamentos extraordinários como os registrados em dezembro reforça a percepção de privilégios desproporcionais em um momento em que grande parte da população enfrenta restrições orçamentárias e cortes em serviços essenciais.