Em um cenário de insegurança desencadeado pela exploração irresponsável da empresa Braskem em Maceió, o deputado federal Daniel Barbosa (PP/AL) escreveu um artigo, intitulado “Crônica de um desastre anunciado”, contextualizando a atuação da empresa em Alagoas até os dias atuais, onde uma das minas localizadas no bairro do Mutange ameaça colapsar.
O texto destaca o maior desastre urbano já registrado no Brasil e no mundo, relatando a negligência da empresa na extração de sal-gema, resultando em tremores de terra, rachaduras em imóveis e o afundamento de cinco bairros, deixando-os desabitados.
Para Daniel Barbosa, é urgente que vidas sejam preservadas e que as ações para indenizar as famílias afetadas ganhem celeridade, além de que os envolvidos nessa tragédia sejam responsabilizados civil e criminalmente.
“Não há dinheiro que pague esse sofrimento e, por isso mesmo, as indenizações devem considerar as angústias e os tormentos individuais e coletivos, além dos prejuízos materiais. (…) O momento exige união da classe política em defesa do meio ambiente e de quem sofreu e sofre as consequências da ambição desmedida pela riqueza extraída do subsolo da área urbana da capital alagoana”, escreveu o parlamentar.
Leia o artigo na íntegra:
CRÔNICA DE UM DESASTRE ANUNCIADO
Nos anos 1970, uma empresa se instalou na área residencial de Maceió para atividades de mineração e passou a extrair sal-gema (matéria prima do cloro e da soda cáustica) do subsolo da cidade, com promessas de emprego e progresso para a comunidade. Era a Salgema Indústrias Químicas, que depois virou Braskem. A conversa fiada da redenção econômica provocou o maior desastre urbano do planeta e prejudicou, material e emocionalmente, dezenas de milhares de famílias.
A exploração foi contínua, selvagem e irresponsável. Não tinha como dar certo. Em 3 de março de 2018, tremores de terra provocaram rachaduras em imóveis e o afundamento progressivo de cinco bairros da capital alagoana, hoje desabitados. Essa tragédia resultou da ganância e da imprevidência, em prejuízo da segurança da população e do meio ambiente saudável. Uma equação desumana que gerou muito sofrimento.
Enquanto ainda se discute a indenização pelos danos causados por essa catástrofe ambiental, assistimos, com preocupação, ao agravamento do quadro com novos abalos sísmicos e o iminente colapso da mina 18 da Braskem, que terá consequências drásticas, mesmo se for um evento localizado. É um buraco gigantesco que avança pela Lagoa Mundaú, integrante de um dos ecossistemas mais importantes do Brasil (Complexo Estuarino Mundaú/Manguaba), abrangendo os municípios de Maceió, Coqueiro Seco e Santa Luzia do Norte.
A prefeitura de Maceió decretou situação de emergência, rapidamente reconhecida pelo governo federal. O problema, porém, não é novo: desde 2019 vem sendo acompanhado pelo Observatório de Causas de Grande Repercussão do Conselho Nacional de Justiça. Por sua vez, relatório do Serviço Geológico do Brasil concluiu que a Braskem praticou mineração irregular de sal-gema e gerou danos irreparáveis às pessoas e à natureza.
Temos, então, dois cenários que não se excluem. O mais imediato é preservar vidas, indenizar condignamente as famílias afetadas e atenuar os danos ao meio ambiente com o provável vazamento de salmoura decorrente do desmoronamento da mina. A outra providência seria apurar responsabilidades administrativas, civis e criminais. É preciso conhecer as circunstâncias da concessão e das renovações do licenciamento ambiental ao longo de décadas, bem como se deu a fiscalização da atividade mineradora. Certamente, uma CPI ajudaria a lançar luzes sobre o assunto.
É no mínimo curioso que o afundamento de cinco bairros de Maceió, que não aconteceu da noite para o dia, tivesse passado despercebido pelos dirigentes da Braskem que, visando apenas os lucros, cometeram uma sucessão de crimes. A pessoa jurídica é administradas por pessoas físicas, que têm nome, profissão e endereço e devem responder por seus atos, que causaram danos irreparáveis ao meio ambiente e parte população da capital alagoana.
Não há condescendência possível nesse caso. Ainda mais quando se observa o desprezo arrogante com que a Braskem trata as pessoas atingidas pelo grave problema que ela causou e se esconde na hora de assumir o ônus. Nesse contexto, impõe-se o bloqueio de todos os ativos da empresa, para garantir indenizações justas às famílias que nasceram, foram criadas e moravam nesses cinco bairros destruídos e perderam seus lares e a identidade psicossocial, ou seja, os vínculos afetivos, trabalhistas e de pertencimento comunitário.
Os dramas humanos decorrentes desse crime socioambiental da Braskem são comoventes. Estima-se em dezenas de milhares o número de vítimas diretas da tragédia. Agora, com o afundamento causado pela mina 18, outras centenas de pessoas se unem a essa multidão de desamparados, lesados pela Braskem. Famílias foram expulsas de seus lares, perderam seus imóveis e seus pequenos negócios e não foram indenizadas ou, premidas pela situação de grande vulnerabilidade, foram coagidas a aceitar migalhas.
O ser humano ficou para trás, esquecido pela indiferença da Braskem. O sentimento de abandono das pessoas atingidas pelo desastre é evidente, como se suas vidas tivessem afundado junto com o bairro. Depois de sofrer com dores infinitas, humilhações e perdas irreparáveis, ninguém será mais o mesmo e levará no semblante as marcas da tristeza, do desespero e da decepção.
A questão humanitária, que deveria ser o principal foco de ação, ficou relegada para segundo plano. Há relatos tocantes de doze suicídios, de pessoas que adoeceram gravemente, de gente que adquiriu síndrome do pânico e depressão, de gente que perdeu moradia e fonte de renda e de idosos que, tomados pelo desgosto, perderam a vontade de viver.
Não há dinheiro que pague esse sofrimento e, por isso mesmo, as indenizações devem considerar as angústias e os tormentos individuais e coletivos, além dos prejuízos materiais. A dignidade deve ser devolvida a essas vítimas e começa por uma indenização justa.
A mineração criminosa da Braskem provocou estragos emocionais, materiais e desestruturou comunidades inteiras de Maceió. Além disso teve impactos negativos na fauna urbana e reduziu a pó o patrimônio histórico e cultural existente nos bairros atingidos. Tudo isso impune. Enquanto a empresa enriquecia, sugando o subsolo da cidade, os moradores, sem saber, tinham seu patrimônio gradualmente dilapidado e suas vidas postas em risco.
É inaceitável que a Braskem, com seu passado predatório, vá posar de “defensora do clima” num encontro internacional importantíssimo como a COP28. Esse comportamento hipócrita é, ao mesmo tempo, escárnio com as aflições de dezenas de milhares de alagoanos e afronta às autoridades constituídas.
Aquele que não protege o meio ambiente atua contra a humanidade. A conduta da Braskem, que age como inimiga de Alagoas, desdenhando do mal que causou a dezenas de milhares de alagoanos, merece repúdio e dura reprimenda.
A sociedade espera que os órgãos competentes conduzam o caso com rigor, fazendo a empresa acertar o passo de acordo com a lei, indenizando dignamente as pessoas prejudicadas, o Estado de Alagoas e o Município de Maceió. O momento exige união da classe política em defesa do meio ambiente e de quem sofreu e sofre as consequências da ambição desmedida pela riqueza extraída do subsolo da área urbana da capital alagoana. Sou solidário às vítimas desse crime socioambiental, que deve ser apurado e punido, e o meu mandato de deputado federal está à disposição para o que se fizer necessário.