Ainda em 1998, quando Maceió apenas despontava como destino turístico no Brasil e no mundo, a jornalista Carla Aranha descreveu, em um artigo para a Folha de São Paulo, a vista que une a Lagoa da Anta e o mar: “é pura bossa nova”. Ameaçada de ser soterrada em um projeto imobiliário que envolve a construção de prédios residenciais no local, a lagoa e seu entorno fazem parte da memória afetiva dos maceioenses, além de ser o marco zero do turismo e um dos poucos locais de convívio na capital alagoana.
A ameaça veio após a venda do Hotel Jatiúca para a construtora Record. A área de 62 mil m² tem construções baixas, coqueiros e o manancial que abastece a lagoa preservados, justamente para manter a vista como ela é atualmente, afinada com o meio ambiente. O projeto foi anunciado como algo que iria “democratizar o acesso à área”, mas para quem? — questiona a maceioense Débora Amaral.
Del Cavalcanti e Débora se beijaram pela primeira vez ali, à beira-mar e às margens da Lagoa da Anta. Isso foi há cinco anos e, ainda hoje, o casal retorna ao local para renovar votos e viver o que Maceió tem de melhor.
“Aquele espaço é muito importante pra mim, porque é um lugar de memória afetiva. Quando eu era criança, ali era o point da cidade à noite. Eu ficava insistindo até meus pais me levarem lá. Era onde as pessoas que gostavam de rock se encontravam. Era lá também onde aconteciam os jogos de praia da escola em que eu estudava. Ali, por trás da Lagoa da Anta”, relembra.
“Além de ser um lugar importante para a memória da cidade, é um lugar que as pessoas usufruem. Eu corro lá todos os dias, aproveito aquela vista da lagoa e do mar, a obra da Mestra Irinéia”, continua Débora. “Então, é importantíssimo que aquele espaço continue público e preservado. Além de ser uma via de acesso, trazer tantas memórias afetivas para tantas pessoas, é um espaço público. E isso é democrático. Então, eu me pergunto, como construir residenciais privados ali pode democratizar a região? Democratizar para quem?”, finaliza.
MACEIÓ: UMA SELVA DE PEDRA À BEIRA-MAR?
O receio da moradora é também o de arquitetos e urbanistas, que cobram mais transparência e diálogo com a comunidade sobre o novo empreendimento. Além da memória, há ainda a questão ambiental e a proteção que a área preservada fornece àquela parte da orla.
Para Adriana Capretz, arquiteta e professora doutora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas (FAU-Ufal), a memória afetiva é o que gera pertencimento aos moradores de uma cidade, lhes concede identidade. Isso é tão importante quanto a preservação do meio ambiente e indiscutivelmente mais relevante que o progresso pelo progresso, defende a especialista.
“O principal problema ali é por ser uma área de vegetação de restinga, uma proteção natural ao avanço do mar. E a lagoa da Anta é uma lagoa de contenção natural para as chuvas, evitando alagamentos no entorno. Quando se propõem cinco torres de prédios, por exemplo, é evidente que a paisagem natural será modificada, aterrando-se o pouco que sobrou da Lagoa da Anta e acabando com a vegetação remanescente”, afirma a especialista.
Fonte – GazetaWeb