Texto de Lauriberto Pompeu, Renan Monteiro e Marlen Couto, em “O Globo”:
“Em mais uma lance da disputa velada entre Arthur Lira (PP/AL) e Rodrigo Pacheco (PSD/MG), o Senado deve engavetar o projeto que torna crime a discriminação de políticos e fragiliza controles das instituições financeiras, aprovado a jato pela Câmara dos Deputados. O roteiro é semelhante ao praticado pelos senadores em outros assuntos levados adiante por Lira e aliados, como o marco temporal das terras indígenas, a legalização dos jogos, a reforma do Imposto de Renda e a proposta que inocenta réus em caso de empate no julgamento de processos criminais.
O texto avançou na Câmara por 252 votos a 163, turbinado pela grande adesão do PT e de siglas do Centrão – na ponta oposta, PSOL, PCdoB e deputados alinhados ao bolsonarismo tentaram barrar a iniciativa. Nesta quinta-feira, Pacheco deu o tom da resistência e indicou que o texto terá uma tramitação mais lenta na comparação com a Casa vizinha, passando por comissões. Nos bastidores, a declaração foi entendida como um sinal de que a proposta nem chegará a andar.
— Não sabia sequer da existência desse projeto, mas, obviamente, aprovado na Câmara e chegando ao Senado, nós vamos conhecer o texto e identificar por quais comissões ele deve passar — disse Pacheco, após reunião com líderes partidários.
No caso do marco temporal, aprovado na Câmara em regime de urgência, com amplo apoio dos deputados, Pacheco também indicou uma longa caminhada — nesta quinta, voltou ao tema e disse que não haverá ‘açodamento’.
O ritmo com o qual o Senado encara pautas vistas como prioritárias pela Câmara gera irritação entre aliados de Lira, e o próprio presidente da Câmara já manifestou incômodo. No episódio das mudanças no Imposto de Renda, aprovadas em setembro de 2011, o deputado do PP reclamou que houve “quebra de acordo” na trava imposta por Pacheco, que retrucou e afirmou que o compromisso firmado era com a ‘sociedade’.
Nesta quinta-feira, com a nova iniciativa endossada pelos deputados, aliados do presidente do Senado subiram a gradação das críticas. O senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), vice-presidente da Casa, disse que o texto é ‘péssimo e não vai para a frente’:
— Não tem sentido discutir uma matéria tão controversa da maneira que a Câmara se dispôs a fazê-lo. O comportamento do Senado é outro, muito mais comedido. Um tema dessa natureza pode até ser debatido, mas não ganhará da gente esse açodamento.
Segundo aliados de Pacheco, o projeto não é pertinente e o assunto deveria ser tratado de outra forma. Ele demonstrou estar mais aberto a discutir uma proposta sobre assédio ideológico, que não é focada em políticos com mandatos e cargos, e puniria quem praticasse constrangimentos públicos.
Uma iniciativa do tipo chegou a ser apresentada pelo líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), no ano passado, mas foi retirada por ele. A ideia, no entanto, pode ser reapresentada para discutir o tema, em vez do texto aprovado pela Câmara.
O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), também seguiu a tônica e afirmou que o texto está ‘fora do radar’. O líder do PL, Carlos Portinho, afirmou que não é o momento de analisar o texto, enquanto o senador bolsonarista Jorge Seif (PL-SC) defendeu a rejeição da proposta.
O projeto estabelece como crime ‘negar a celebração ou a manutenção de contrato de abertura de conta corrente, concessão de crédito ou de outro serviço, a qualquer pessoa física ou jurídica, regularmente inscrita na Receita Federal do Brasil’, em razão da condição de pessoa politicamente exposta ou de pessoa que esteja respondendo a investigação ou processo sem trânsito em julgado. A pena prevista é de dois a quatro anos de prisão, e multa. Pessoas politicamente expostas são políticos, juízes e outros detentores de altos cargos nos três Poderes.
Como revelou a colunista Malu Gaspar, do Globo, o texto, de autoria da deputada Dani Cunha (Uniã-RJ), filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, abre brechas para a proteção até mesmo de potenciais ‘laranjas’ de autoridades envolvidas em esquemas de lavagem de dinheiro.
O artigo 2º afirma que são alcançados, além de parentes até segundo grau, cônjuges e enteados, também os ‘estreitos colaboradores’ das pessoas politicamente expostas.
O gerente de pesquisa da Transparência Internacional, Guilherme France, ressaltou que a votação do projeto ocorre na esteira de retrocessos no combate à corrupção. Segundo ele, a proposta pode retirar a autonomia para que instituições avaliem operações financeiras de nomes ligados a pessoas politicamente expostas, como familiares e sócios, além de limitar controles de risco contra fraudes.
— Mesmo que uma pessoa esteja respondendo como réu em processo de lavagem de dinheiro, o banco não vai poder negar acesso ao serviço financeiro. Isso diminui a capacidade das instituições financeiras em reduzir riscos de operações.
Professor da Faculdade de Direito da USP, Eduardo Saad-Diniz também aponta que há dificuldade de interpretação a partir da redação que se deu ao tipo penal no projeto. Ele ressalta ainda que as instituições adotam práticas de governança e compliance, independentemente de uma eventual lei, e que ser pessoa exposta politicamente é apenas um indicativo de reforço de controles.
— Ninguém sofre restrições de direitos pelas suas condições pessoais, mas sim por eventualmente haver deixado de cumprir determinada diligência ou esclarecer sobre operações suspeitas. Pior ainda, é difícil interpretar o que significa a conduta ‘negar’ (acesso a contas e crédito). Você negou ou só pediu diligências de integridade e foram requisitados esclarecimentos? — analisa.
Deputados favoráveis ao projeto enfatizaram em discursos no plenário durante a votação a necessidade de rever restrições que afetam filhos e cônjuges de políticos.
— Hoje, ser parente até segundo grau de político enseja uma série de fatores que prejudicam a normalidade da vida do cidadão — afirmou Cláudio Cajado (PP-BA).
Em nota, Dani Cunha afirmou ser ‘falsa a narrativa sobre qualquer alteração em qualquer política de combate a corrupção ou de lavagem de dinheiro’.
Fonte – Blog do Flavio Gomes de Barros