Um acordo discreto entre os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, com aval do Supremo Tribunal Federal (STF), pode mudar o rumo das punições aplicadas aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. A iniciativa, conduzida por Davi Alcolumbre (União-AP) e Hugo Motta (Republicanos-PB), propõe uma reconfiguração legal: penas mais brandas para os já condenados e medidas mais duras contra líderes de eventuais futuras investidas golpistas.
A estratégia mira diretamente um impasse político. De um lado, a ala bolsonarista do Congresso pressiona por uma anistia ampla aos participantes dos ataques às sedes dos Três Poderes. Do outro, há resistência expressiva dentro do Parlamento e do Judiciário a qualquer medida que signifique impunidade generalizada. O projeto surge, portanto, como uma via intermediária — uma tentativa de distensionar o ambiente sem abrir mão da responsabilização penal.
De acordo com fontes ligadas à negociação, a proposta deve ser apresentada no Senado ainda em maio. A escolha da Casa Alta como ponto de partida tem motivação tática: o Senado é visto como menos suscetível à influência da base bolsonarista, mais presente e atuante na Câmara dos Deputados.
Na prática, a nova legislação pode permitir que réus já condenados por participação nos atos — muitos por crimes como tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito ou vandalismo — tenham as penas revistas, podendo migrar para regimes menos severos, como o semiaberto ou domiciliar.
Contudo, a proposta também busca fortalecer a legislação contra futuras ameaças institucionais. Para líderes e articuladores de eventuais tentativas de ruptura democrática, as punições devem se tornar mais rígidas. Essa diferenciação responde a uma crítica recorrente: a atual legislação penal não distingue entre autores intelectuais e executores secundários.
Um exemplo citado nos bastidores é a diferença entre manifestantes como Débora Rodrigues dos Santos, acusada de pichar uma estátua, e figuras como Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e redator da minuta golpista encontrada com o ex-presidente Jair Bolsonaro. Ambos se enquadram hoje na mesma moldura penal do artigo 359 do Código Penal, que prevê pena de 4 a 12 anos.
O texto do projeto também prevê uma regra clara: mudanças na legislação só poderão retroagir para beneficiar réus ou condenados, jamais para prejudicá-los, em respeito ao princípio constitucional da irretroatividade penal. Isso significa que as punições agravadas para líderes de futuras tentativas de golpe não se aplicariam aos casos já em curso — incluindo os processos que envolvem Bolsonaro.
O ministro Alexandre de Moraes, relator das ações do 8 de Janeiro no STF, tem acompanhado de perto a construção do texto legislativo. O presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, também teria sinalizado apoio. O aval dos magistrados é considerado crucial para que a nova norma resista a contestações no Judiciário.
Se aprovada no Senado, a proposta seguirá para a Câmara dos Deputados. Caso haja mudanças, o texto retornará ao Senado, que terá a palavra final como casa de origem. O Congresso tenta, assim, construir uma solução política e jurídica que reduza a tensão institucional sem abrir brechas para a impunidade generalizada.