A Polícia Federal (PF) investiga um esquema bilionário de fraude nos descontos sobre aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Uma das entidades sob investigação contratou o escritório do filho do ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, quatro meses antes da operação deflagrada na última quarta-feira (23).
Em 2 de dezembro de 2024, o Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas (Cebap) contratou o escritório do advogado Enrique Lewandowski, filho do ministro da Justiça, e outros dois escritórios de advocacia. O objetivo era “representar institucionalmente a associação” perante diversos órgãos federais, buscando “assegurar a manutenção do ACT (Acordo de Cooperação Técnica)”. Esse acordo com o INSS é o que viabiliza os descontos das mensalidades associativas de aposentados e pensionistas.
O contrato firmado pelo Cebap incluía órgãos como a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e a própria Polícia Federal. A Senacon, vinculada ao ministério de Ricardo Lewandowski, tem como foco a proteção dos direitos dos consumidores e pode aplicar multas elevadas a entidades que infringem o Código de Defesa do Consumidor.
O contrato também previa atuação junto ao próprio INSS, à Controladoria-Geral da União (CGU) e ao Tribunal de Contas da União (TCU). Esses órgãos iniciaram investigações sobre fraudes nos descontos a partir de dezembro de 2023, após as primeiras reportagens do Metrópoles sobre o esquema de descontos indevidos.
Por meio de nota, a assessoria do ministro Lewandowski afirmou que “não há, nem houve, nenhuma atuação do referido escritório no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública”.
O advogado Enrique Lewandowski, por meio de sua assessoria, declarou que o documento obtido pela reportagem se refere a uma proposta de prestação de serviços na área do direito administrativo ao Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas (Cebap) e não inclui atuação na esfera criminal.
“Esclarece, ainda, que jamais atuou em nenhum processo no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública”, completa.
O contrato estabelecia honorários advocatícios de R$ 200 mil mensais, dos quais R$ 50 mil seriam destinados ao escritório do filho de Lewandowski, totalizando R$ 600 mil ao longo de 12 meses.
O contrato prevê atuação “no atendimento consultivo às fiscalizações demandadas pelos órgão reguladores dos ACTs” e “assessoria jurídica consultiva para evitar a desabilitação da cliente [Cebap] dos quadros do INSS como entidade autorizada a realizar descontos de mensalidades de seus associados, sempre em âmbito administrativo”.
“Para tanto, iremos participar de reuniões com as diferentes autoridades públicas que possam tratar da referida habilitação, incluindo, mas não se limitando ao INSS, à Senacon, à CGU, ao TCU e a outros para apresentação, realização de diagnóstico e entendimento do estágio atual da relação da entidade com os órgãos”, afirma o contrato.
No dia da operação da PF, o ministro Ricardo Lewandowski realizou uma coletiva de imprensa em Brasília para detalhar a investigação, que cumpriu 211 mandados de busca e apreensão e seis de prisão relacionados a um desvio de recursos de aposentados que pode alcançar R$ 6,3 bilhões. O Cebap foi um dos alvos da operação, com mandado de busca e apreensão cumprido em seu escritório em São Paulo.
Na sexta-feira passada (25), o Ministério da Previdência anunciou a suspensão de todos os acordos de cooperação vigentes e garantiu a devolução dos valores descontados de aposentados e pensionistas em abril. Quanto aos descontos não reconhecidos pelos beneficiários e realizados antes do mês passado, o ministério informou que “serão avaliados por um grupo da Advocacia-Geral da União (AGU) que tratará do tema”.
O que é o Cebap
O Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas (Cebap), que contratou o escritório do filho do ministro Lewandowski, integra um grupo de três associações ligadas ao empresário Maurício Camisotti, investigado por supostamente usar laranjas para lucrar com descontos indevidos em aposentadorias do INSS. O Cebap foi habilitado pelo INSS para realizar esses descontos em dezembro de 2022 e, em menos de dez meses, viu seu faturamento mensal saltar de R$ 388 mil para R$ 9,9 milhões. Empresas ligadas a Camisotti receberam R$ 43 milhões desse grupo de associações.
A atuação do empresário e do Cebap foi exposta pela série de reportagens “Farra do INSS” do Metrópoles. Quando o contrato com o filho de Lewandowski foi firmado, em dezembro de 2024, o Cebap já estava sob auditoria do TCU e da CGU por suspeitas de fraude nas filiações e acumulava condenações judiciais por cobranças não autorizadas.
O contrato obtido pelo Metrópoles estava em um computador do Cebap em posse de ex-diretores da entidade, como o ex-presidente Charles Ariel, que era amigo de Camisotti e rompeu com ele após a revelação da farra dos descontos indevidos.
O advogado Eli Cohen, que é especialista em mapeamento de fraudes e defende o ex-dirigente do Cebap, afirma que tem colaborado com as autoridades que investigam o esquema no INSS. “As apurações revelam indícios de um sofisticado esquema voltado à captação indevida de recursos mediante a simulação de vínculos associativos, com a consequente realização de descontos irregulares nos benefícios previdenciários de milhares de segurados”, disse.