O governo federal deve adiar a entrada em vigor da nova versão da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que passaria a incluir a saúde mental como item de fiscalização obrigatória nos ambientes de trabalho. A decisão foi tomada após reunião com representantes de sindicatos patronais, que vinham pressionando pelo adiamento da medida. Apesar disso, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) ainda não oficializou o recuo nem respondeu aos pedidos de esclarecimento.
A atualização da NR-1, anunciada em agosto de 2024, previa que a partir de 26 de maio de 2025, empresas poderiam ser multadas caso fossem identificadas situações como metas abusivas, jornadas exaustivas, assédio moral, ausência de suporte emocional, conflitos interpessoais, ou condições precárias de trabalho. A proposta equipararia os riscos psicossociais aos riscos físicos já fiscalizados, como acidentes ou doenças ocupacionais.
A medida surgiu em resposta a um cenário alarmante: em 2024, o Brasil registrou 472 mil afastamentos por problemas de saúde mental, o maior número em uma década, segundo dados do INSS.
Pressão empresarial e entraves operacionais
O recuo do governo ocorreu após pressão de entidades empresariais, que alegaram que a medida impunha responsabilidades excessivas às empresas, representaria aumento de custos com profissionais de saúde mental e ainda carecia de clareza sobre sua aplicação. Com a proximidade do prazo, as entidades solicitaram um adiamento de pelo menos um ano.
Além da pressão do setor privado, a falta de estrutura do próprio MTE também pesou na decisão. Até meados de abril, a cartilha com orientações detalhadas sobre a nova norma ainda não havia sido publicada, dificultando a preparação de empresas e dos próprios fiscais do trabalho. “Falta entendimento. Não adianta a legislação existir se não produzir efeitos”, afirmou a auditora-fiscal Ana Luiza Horcades.
Por outro lado, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho criticou o adiamento, destacando que os riscos psicossociais já fazem parte do escopo das fiscalizações — a única mudança seria o reforço da cobrança.
Especialistas alertam para retrocesso
Para especialistas em saúde mental e relações de trabalho, o adiamento representa um retrocesso diante de uma crise crescente. “O ambiente de trabalho é um fator importante nas questões de saúde mental. As empresas não querem encarar seus próprios problemas estruturais”, afirma Thatiana Cappellano, consultora e mestre em ciências sociais.
Tatiana Pimenta, especialista em saúde mental no trabalho, reforça que o adiamento pode resultar em mais afastamentos em 2025. “Estamos permitindo que as empresas continuem ignorando os riscos psicossociais, mesmo com os números já alarmantes”, afirma.
Impacto econômico e perfil dos afastamentos
O impacto da saúde mental no trabalho vai além do bem-estar dos trabalhadores. O INSS estima que, em 2024, o custo com afastamentos por transtornos psicológicos pode ter chegado a R$ 3 bilhões aos cofres públicos, considerando que a média de licença foi de três meses, com benefício mensal de cerca de R$ 1,9 mil.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta para a dimensão global do problema: cerca de 12 bilhões de dias úteis são perdidos por ano devido à depressão e à ansiedade, resultando em uma perda estimada de US$ 1 trilhão.
O perfil dos trabalhadores mais afetados inclui, majoritariamente, mulheres (64%) com idade média de 41 anos, diagnosticadas principalmente com ansiedade e depressão. No entanto, o diagnóstico de transtornos como burnout ainda é subestimado, com apenas 4 mil afastamentos registrados oficialmente em 2024.
Próximos passos
Embora ainda não haja uma nova data oficial para a implementação da atualização da NR-1, a sinalização de adiamento preocupa especialistas e auditores, que temem que a postergação comprometa os avanços na proteção da saúde mental dos trabalhadores.
Para eles, o desafio agora é garantir que a norma seja implementada com clareza, estrutura adequada e responsabilidade compartilhada, sem abrir mão do enfrentamento dos riscos psicossociais, cada vez mais presentes no cotidiano laboral.